Foi ainda na época do primeiro estágio na área da comunicação que a jornalista Celine* entendeu que não estava livre dos assédios sexuais, nem mesmo no ambiente de trabalho. Com apenas 20 anos de idade e trabalhando há dois na empresa, a jovem viu o chefe se sentir na liberdade de pedir um beijo, uma situação de repulsa e constrangimento.
“Foi gradual. No início era uma atenção a mais que ele me dava quando chegava na empresa. Sentava no computador ao meu lado, tentava puxar um assunto e dava uma atenção que não era a mesma para minha colega ao meu lado”, conta.
Com o passar dos dias, o chefe foi direto na tentativa de aproximação com interesses que ultrapassam limites obrigatórios ao ambiente de trabalho e na relação patrão e funcionária.
“Foi um episódio descarado. Eu estava servindo meu café quando ele chegou e veio me cumprimentar. Fui dar um aperto de mão, mas ele pediu um beijo. Fiquei nervosa e disse que não, que ele era meu chefe, mesmo assim, ele insistiu para cumprimentar direito e dar um beijo nele”, lembra.
Somente com clima de constrangimento instalado e com a aproximação de outro funcionário, o chefe tentou desconversar. “Ele falou que não era nada demais, que era só um beijo no rosto, mesmo assim, ficou aquele clima. Não se fala para uma estagiária que tem que cumprimentar com beijo e eu não tinha dado nenhum tipo de abertura para ele”, acrescenta.
Nos dias que se passaram, até a saída de Celine da empresa, a situação foi de desconforto. Ciente de que tinha passado dos limites, o chefe passou a evitar o mesmo horário que a jovem, que também fazia de tudo para evitá-lo. “Eu era estagiária, cumprindo algo necessário para minha formação e um homem se sentiu no direito de romper com isso sem ter qualquer tipo de consenso”, relata.
A jovem conta que não teve muito o que fazer ou a quem recorrer. “Não tive como pedir muita ajuda, comentei com minha colega do estágio. Nesses momentos, a gente sempre lembra da posição hierárquica, ele era meu primeiro chefe e eu uma estagiária. Não tomei nenhuma decisão”, revela.
Lei contra assédio nas empresas
Situações como a que Celine passou, em pleno ambiente de trabalho, são mais comuns do que se imagina. A reação de não ter a quem recorrer, mais ainda.
Por causa do cenário desafiador para as mulheres, mais um em tantos que elas enfrentam, Lei 14.457, sancionada em 21 de setembro de 2022, lista série de regras que empresas devem cumprir para prevenir e combater o assédio sexual no ambiente de trabalho.
“Me sinto amparada [com a nova lei] porque sei que nós mulheres, sofremos muito assédio de fonte, chefe e de todos os lados. Então, se tem uma lei que institui essas regras para que empresas saibam o que fazer e façam algo sobre assédio no trabalho, isso faz com que eu me sinta amparada. É o início de que alguma coisa vai acontecer quando alguém nos assedia”, finaliza Celina.
Pela lei, as regras são válidas para empresas que tenham 20 funcionários ou mais e sejam ligadas à Cipa (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes), vínculo que é obrigatório para empresas do porte citado.
Advogada trabalhista, Mariana Saroa, pontua as principais exigências. São elas:
– Inclusão de regras de conduta a respeito do assédio sexual e de outras formas de violência nas normas internas da empresa, com ampla divulgação do seu conteúdo aos colaboradores;
– Fixação de informativos com procedimentos para recebimento e acompanhamento de denúncias (canal de denúncias anônimo e sigiloso a ser criado pela empresa), assegurando a apuração dos fatos e aplicação de sanções administrativas aos responsáveis diretos e indiretos, quando for o caso, sem prejuízo dos procedimentos jurídicos cabíveis;
– Inclusão de temas referentes à prevenção e ao combate ao assédio sexual e outras formas de violência nas atividades e nas práticas da Cipa;
– Realização, no mínimo a cada 12 meses, de ações de capacitação, orientação e sensibilização dos colaboradores de todos os níveis hierárquicos da empresa, sobre temas relacionados à violência, ao assédio, à igualdade e diversidade no âmbito do trabalho, em formatos acessíveis, apropriados e que apresentem máxima efetividade de tais ações.
O prazo para adequações é 21 de março de 2023, 180 dias após a publicação da Lei. Empresas que não cumprirem as normas poderão ser multadas e sofrerem outras sanções aplicadas pelo Ministério do Trabalho.
*Celine é um nome fictício usado para preservar a identidade da vítima
Retirado de https://midiamax.uol.com.br