“De picolezeiro a governador”.

Caminhonete em que Matheus Xavier estava foi fuzilada no dia 9 de abril de 2019; o jovem, que estava retirando o carro do pai, morreu no local – Valdenir Rezende/arquivo

Aguardado como um dos maiores julgamentos de Mato Grosso do Sul, tem início hoje, às 8h, o júri popular que sentenciará se Jamil Name Filho foi o mandante do atentado que resultou na morte de Matheus Coutinho Xavier, de 19 anos, por engano. O rapaz era filho do ex-policial militar Paulo Teixeira Xavier, que seria o alvo dos tiros.

No dia 9 de abril de 2019, o estudante de Direito foi morto quando deixava a garagem da casa onde morava em uma caminhonete S10, que pertencia ao pai dele, o verdadeiro alvo da família Name. Na ação, dois homens se aproximaram em um veículo e já desceram atirando, por volta de 18h.

Matheus foi atingido pelo menos sete vezes por um fuzil, conforme apontado pela perícia. 

Jamil Name Filho não teria planejado a execução sozinho. O policial civil aposentado Vladenilson Daniel Olmedo e o ex-guarda-municipal Marcelo Rios, os outros dois réus do julgamento, teriam sido ordenados a contratar os pistoleiros para realizar o crime. José Moreira Freires e Juanil Miranda Lima ficaram a cargo da execução. 

O crime da tentativa de execução de Paulo Teixeira, que vitimou o filho dele, foi o estopim para que o ex-policial militar e outras testemunhas dos diversos atentados pelos quais os Name são acusados fossem à Justiça para denunciar os mandatários Jamil Name e Jamilzinho.

Em entrevista ao Correio do Estado, o ex-policial militar Paulo Roberto Teixeira Xavier, pai da vítima, deixou claro que não teme o grupo. “Depois que mataram o meu filho, não tenho medo de mais nada”.

“Quem tem do lado a Justiça e Deus não tem que ter medo. Depois que a família Name foi presa, em 2019, o Estado, que eles queriam que ficasse na pobreza, melhorou e as boas empresas começaram a investir em Mato Grosso do Sul”, declarou Paulo Teixeira.

Questionado em entrevista sobre o julgamento que se inicia hoje, ele afirmou que acredita que o réu será condenado pelo crime e ainda informou que tem o conhecimento de outras testemunhas de outros casos que ainda não foram solucionados.

“Eu espero que muitas pessoas, parentes de outras vítimas de homicídio, que estão aguardando essas condenações comecem a falar sobre os crimes cometidos por eles”, disse.

Segundo ele, “ninguém tinha coragem de denunciar os crimes. O Vladenilson [um dos réus no julgamento] sabia quem eram os parentes das vítimas e ele ia à casa das pessoas intimidá-las, dizendo para ficarem quietas”. 

Sobre o tempo de prisão que Jamil Name Filho e os demais réus devem pegar, Paulo afirma que gostaria que o júri determinasse pena máxima.
“Foram 40 anos de crimes cometidos, quero que eles sejam condenados com a pena máxima, para morrerem na cadeia, não tenho motivos mais para me esconder”, finalizou.

JULGAMENTO

Acusado de chefiar a organização criminosa que teria orquestrado diversos homicídios, Jamil Name Filho é réu em seu primeiro julgamento popular, marcado para ocorrer a partir de hoje, no Tribunal do Júri de Campo Grande.

Além dele, mais dois réus são acusados do assassinato do estudante Matheus Coutinho Xavier, o policial civil aposentado Vladenilson Daniel Olmedo e o ex-guarda-municipal Marcelo Rios.
Conforme a agenda do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS), o julgamento pode se estender por até quatro dias.

Segundo o Tribunal de Justiça, o corpo de jurados será formado por sete pessoas, as quais terão os nomes sorteados logo no início do julgamento. Serão convocadas 25 pessoas entre as que se inscreveram para júri.

O juiz responsável pelo julgamento, Aluizio Pereira dos Santos, da 2ª Vara do Tribunal do Júri de Campo Grande, sorteará os nomes dos jurados e tanto a defesa quanto a acusação podem recusar três nomes cada um. 

Formado o conselho de sentença, composto pelos sete jurados, ele será encaminhado ao plenário, para dar início ao julgamento.

Os réus estão sendo acusados pelo crime de homicídio qualificado por motivação torpe, sem chance de defesa à vítima, e porte ilegal de arma.

SEGURANÇA NO JÚRI

O juiz Aluízio Pereira dos Santos reservou cinco dias de hotel para os sete jurados que acompanharão o julgamento. Conforme o despacho do magistrado, a ação é necessária porque existe a possibilidade de o julgamento se estender além dos quatro dias previstos.

Além da reserva de hotel, ficou determinado que a Polícia Militar fará a segurança dos jurados tanto nos deslocamentos quanto no hotel. 

No dia 7 de junho, a defesa de Jamil Name Filho protocolou pedido para tentar suspender o julgamento e sugeriu que ele ocorresse em Dourados ou Três Lagoas. 

O argumento principal é de que os jurados de Campo Grande não teriam isenção suficiente para julgar o réu, já que estariam sendo influenciados pelas informações que a mídia da Capital divulgou sobre os acusados.
Porém, o juiz entendeu que o Fórum de Campo Grande tem estrutura física e de segurança melhor do que os fóruns das cidades do interior.

Além disso, ressalta o juiz, o Batalhão de Choque da PM e o Serviço de Inteligência do Depen e da polícia estadual já haviam definido um esquema de segurança para garantir a integridade física de todos os envolvidos no júri.

Disputa por fazenda teria motivado atentado

Durante a entrevista para o Correio do Estado, o pai da vítima, Paulo Teixeira, que era o verdadeiro alvo da execução que matou Matheus Coutinho Xavier, falou sobre o envolvimento dele com a família Name, com a qual tinha desentendimentos que o levaram a se tornar um alvo a ser executado no ano de 2019.

Algumas informações mencionadas por Paulo Xavier na entrevista também foram citadas em depoimento do ex-policial militar sobre a morte do filho à Delegacia Especializada de Repressão a Roubo a Banco e Resgate a Assaltos e Sequestros (Garras), no dia 30 de outubro de 2019.

De acordo com o ex-policial militar, ouve uma disputa entre a empresa da família Name e o advogado paulista Antônio Augusto de Souza Coelho, pelas fazendas Figueira, no município de Jardim, e da Invernadinha, localizada em Campo Grande.

A Fazenda Figueira havia sido comprada por Jamil Name Filho em negociação com o advogado Antônio Augusto, dono das terras, e como parte do pagamento foi entregue uma fazenda chamada Invernadinha.
Conforme informado por Paulo Teixeira, a negociação não prosseguiu e, por isso, Jamil e o filho queriam recomprar a Fazenda Invernadinha e cobrar alguns milhões a serem pagos pelo advogado.

Na época, Xavier não soube dizer aos policiais do Garras em que condições o advogado Augusto se tornou proprietário da Fazenda Figueira. 

“Contudo, posteriormente, soube que ele [Antônio Augusto] deu um golpe milionário na associação [do reverendo Moon, a quem representava, que havia adquirido as terras no fim dos anos 1990], visto que, com uma procuração, efetuou a venda de várias propriedades da associação, fato que culminou na revogação da procuração que ele possuía”, consta no depoimento de Paulo Roberto Xavier ao Garras.

Augusto, por sua vez, disse aos Name que vendeu a Fazenda Invernadinha a outra pessoa e que não a venderia para os Name por conta de alguns milhões que os Name deviam a ele.

“Ou seja, ambos diziam que tinham dinheiro [dezenas de milhões] a receber um do outro”, disse Paulo Teixeira.

Por ser próximo do advogado Antônio Augusto, Paulo Teixeira foi procurado pelos Name, segundo o ex-policial militar, para informar a localização do advogado para a família.

“Em 2017, eu estava aposentado da polícia, estava há dois anos estudando, e os Name queriam que eu falasse onde estava o Antônio Augusto, porque eles queriam matar a esposa e o filho dele. Não disse nada a eles, e eles acharam que eu estava do lado do Augusto”, declarou Paulo.

Por esse motivo, os Name acreditaram que Xavier havia se aliado ao advogado, “traindo” os negócios da família, o que teria motivado o atentado.

“A maior matança da história de MS, de picolezeiro a governador”

A frase “A maior matança da história de MS, de picolezeiro a governador” não está sendo colocada em faixas pelas ruas da cidade à toa. Ela foi retirada de uma transcrição de conversas realizadas pelo WhatsApp, que estavam anexadas em um despacho, e seria de um diálogo de Jamil Name Filho com uma interlocutora. Nele, Jamilzinho, que se diz chefe do grupo de extermínio, demostra a periculosidade que é atribuída à milícia organizada.

Conforme as investigações, há indícios de que pelo menos quatro assassinatos envolvem o nome da família Name.

De acordo com a investigação da Delegacia Especializada de Repressão a Roubo a Banco e Resgate a Assaltos e Sequestros (Garras), o método de atuação do grupo miliciano em relação à morte de Matheus Xavier é muito semelhante ao utilizado em outros casos, como o do coronel aposentado da Polícia Militar Ilson Martins de Figueiredo, de 62 anos, executado em junho de 2018; Orlando da Silva Fernandes, o Bomba, de 41 anos, ex-segurança do traficante paraguaio Jorge Rafaat, que foi morto com mais de 40 tiros de fuzil; e o empresário Marcel Costa Hernandes Colombo, o Playboy da Mansão. 

Todas essas pessoas foram mortas com muitos tiros de fuzil por uma dupla de carro enquanto saíam de casa ou estavam no trânsito ou em lugares públicos.

Todas essas mortes também estão ligadas à família Name e até hoje não foram julgadas. Um dos réus do julgamento de hoje, o ex-guarda-municipal Marcelo Rios, que supostamente participava da milícia armada, teve a sua casa revistada no dia 19 de maio de 2019 por policiais civis do Garras e militares do Batalhão de Choque, onde foi apreendido um arsenal de armas.

O bunker tinha seis fuzis, um revólver, 17 pistolas e duas espingardas, que estavam em poder do ex-guarda-municipal.

OPERAÇÃO OMERTÀ

O último homicídio, do estudante de 19 anos Matheus Xavier, no dia 9 de abril de 2019, desencadeou a “ruína” do grupo. Depois desse assassinato, que teria sido por engano, a investigação policial levou à deflagração da Operação Omertà, com apoio do Grupo de Atuação Especial na Repressão ao Crime Organizado (Gaeco). A ação, que também contou com o Batalhão de Choque e Polícia Federal, ocorreu no dia 27 de setembro de 2019.

Na época, foram emitidos 13 mandados de prisão preventiva, 10 de prisão temporária e 21 de busca e apreensão, tendo como foco desarticular organização criminosa voltada à prática dos crimes de milícia armada, porte ilegal de arma de fogo de uso proibido, homicídio, corrupção ativa e passiva, entre outros. 

Entre as prisões decretadas estava a de Jamil Name e a de Jamil Name Filho, que desde então cumpre pena.
Pai e filho inicialmente foram detidos e encaminhados para o Presídio Federal de Campo Grande, porém, de acordo com a inteligência da polícia, após informações de que os Name tramavam a morte do delegado Fábio Peró, do Garras, a família Name, Márcio Cavalcante da Silva e Vladenilson Daniel Olmedo foram transferidos para o Presídio Federal de Mossoró (RN).

No dia 17 de março de 2020, informações obtidas pela Justiça enquanto os Name estavam presos no Rio Grande do Norte levaram à 2ª fase da Operação Omertà.

O Departamento Penitenciário Nacional (Depen) comunicou ao Gaeco a apreensão de um pedaço de papel higiênico no interior de uma cela em Mossoró, no qual havia a descrição de um próximo atentado contra autoridades de Mato Grosso do Sul, entre as quais um promotor de Justiça do grupo e um delegado do Garras.

Os mandados foram cumpridos nas cidades de Campo Grande, Sidrolândia, Aquidauana, Rio Verde e Rio Negro, em Mato Grosso do Sul, bem como na cidade de João Pessoa, na Paraíba.
Após quase dois anos preso, em junho de 2021, Jamil Name morreu aos 82 anos, em decorrência da Covid-19.

Seis meses após a morte do pai, a Justiça condenou, pela primeira vez, Jamil Name Filho a cumprir quatro anos e seis meses de prisão, acusado de ser proprietário de um arsenal de 26 armas apreendidas durante a investigação para esclarecer a morte de Matheus.

Ele também foi condenado a 12 anos e oito meses de prisão, no fim de junho de 2022, por tomar a casa de um casal em razão de um empréstimo de R$ 80 mil.

A terceira condenação saiu em julho de 2022 e determinou mais seis anos de cadeia. A Justiça aceitou a denúncia de organização criminosa porque ele tinha a seu serviço um pequeno batalhão de pistoleiros para executar uma série de crimes. Somadas, as penas chegam a 23 anos de prisão. 

Republicado de https://correiodoestado.com.br

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