A empresa MS Brasil Comércio e Serviços, uma das investigadas pelo Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS) por suspeita de participar de esquema de fraude em licitação, teve uma ascensão que pode ser considerada meteórica. Iniciada com capital social de R$ 50 mil, em seis anos a empresa conquistou licitações milionárias com diversas prefeituras do Estado, tendo hoje contratos no valor de R$ 135,8 milhões.
Criada em setembro de 2011, em sociedade entre Edcarlos Jesus da Silva e sua esposa, Kathiuce Marques Fernandes, a empresa inicialmente tinha um capital social de R$ 50 mil e, de acordo com a investigação do Grupo Especial de Combate à Corrupção (Gecoc) do MPMS, atuava no ramo de “serviços combinados de escritório e apoio administrativo”. Atualmente, a empresa consta apenas no nome de Edcarlos.
Durante quatro anos, a empresa não venceu concorrências de destaque, segundo o MPMS, para prestação de serviços à administração pública, mas em novembro de 2015 venceu uma licitação para “varrição de vias e logradouros públicos, raspagem de terra acumulada na sarjeta, limpeza e lavagem e roçada, poda de árvores e transporte e disposição de resíduos provenientes desses serviços em local apropriado” no município de Água Clara.
A licitação foi firmada com valor inicial de R$ 259 mil para o período de novembro de 2015 a fevereiro de 2016. O certame passou por vários aditivos e prorrogações, chegando a R$ 3,7 milhões até dezembro de 2020.
Conforme a investigação do Ministério Público, antes dessa licitação, a empresa atuava sem nenhum funcionário contratado e, após vencer a concorrência, contratou 27 pessoas, para cargos de varredor de rua, motorista, coletor de lixo e jardineiro.
Após a primeira licitação vencida, a MS Brasil Comércio e Serviços venceu vários outros certames. Em 2016 foram dois, ambos em julho, o primeiro para “aquisição de pano multiúso antibactericida” com o governo do Estado, no valor total de R$ 85.332,90, e o segundo para “aquisição de equipamentos e material permanente” para o campus de Porto Murtinho da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), valor total de R$ 33.429,00.
Mas foi a partir de 2017 que o ramo de atuação da MS Brasil Comércio e Serviços e a sua conta bancária tiveram uma verdadeira revolução. Em março daquele ano, a pequena empresa, ainda com o capital social de R$ 50 mil e sem nenhum caminhão registrado regularmente em seu nome, segundo o Gecoc, venceu licitação da Prefeitura de Campo Grande.
O objetivo da licitação era a “contratação de empresa de locação de máquinas pesadas, caminhões, ônibus, veículos leves e equipamentos para execução de serviços no município de Campo Grande, incluindo o fornecimento de combustível, operadores, motoristas, alimentação, translado, manutenção de todo maquinário e demais custos”.
O contrato, no valor inicial de R$ 15.506.400, foi firmado com a Secretaria Municipal de Infraestrutura e Serviços Públicos (Sisep). Ainda conforme documento do MPMS, a empresa seguiu com o capital social de R$ 50 mil até agosto de 2017, quando alterou para R$ 200 mil.
Apenas em fevereiro de 2021 a empresa passou a ter maior capital, de R$ 3 milhões. Porém, durante o período em que ainda tinha o valor mais baixo, o contrato com a prefeitura recebeu diversos aditivos, passando para R$ 94,2 milhões.
O MPMS aponta que, quando assinou o contrato, a empresa não era habilitada para esse tipo de serviço. “Em consulta aos ramos de atuação (CNAEs) historicamente cadastrados pela empresa, apurou-se que, até a data de 1/8/2017, a empresa não possuía (registrados) os ramos de atuação necessários para atender os objetivos licitados e conquistados por ela no mês de março do ano de 2017”, diz trecho da investigação.
“O documento que deu origem ao registro da alteração contratual possui data de 20 de junho de 2016, no entanto, consta que o documento foi devidamente reconhecido em cartório na data de 1 de agosto de 2017, e averbado ao órgão responsável em 2/8/2017”, completa o Gecoc sobre a empresa.
Pela licitação, a empresa era responsável pela locação de 11 pás carregadeiras (com até 10 anos de uso) e 44 caminhões basculantes (com no máximo sete anos de uso). Entretanto, a investigação mostra que, quando foi contratada, a empresa não tinha veículos desse tipo em seu nome. A primeira aquisição, segundo o MPMS, foi em 2018, quando comprou apenas um caminhão.
No ano seguinte, a empresa comprou mais 16 veículos, e o mesmo número em 2020. Outros 13 chegaram em 2021. “Aquisições que somam 46 veículos (caminhões) ao longo dos anos (2018/2019/2020/2021), indicando que a empresa não possuía meios próprios para atender/executar o contrato conquistado no ano de 2017”, avalia o Ministério Público.
Atualmente, segundo dados buscados pela investigação no Departamento Estadual de Trânsito de Mato Grosso do Sul (Detran-MS), a MS Brasil Comércio e Serviços têm cerca de 75 veículos cadastrados como seus, e grande parte são caminhões.
Outro problema apontado pela investigação tem relação com a contratação de funcionários. Para atender essa licitação, que previa ao todo 55 veículos, somente três motoristas de caminhões foram contratados, mas apenas em novembro de 2018, um ano e oito meses após o início da vigência do contrato com a prefeitura da Capital.
“Considerando a vultuosidade dos contratos firmados entre a empresa e o município de Campo Grande no ano de 2017, aliada ao fato de que a empresa, à época, aparentava não possuir meios próprios (estruturais) de executá-los, infere-se a possibilidade de que a execução dos objetos conquistados tenha ficado a cargo de empresa(s) terceirizada(s)”, entende o MPMS.
“LARANJAL”
Por causa dessa falta de equipamentos necessários para o serviço, o Ministério Público de Mato Grosso do Sul levanta a hipótese de que a AL dos Santos, do empresário André Luiz dos Santos, conhecido como André Patrola, tenha, na verdade, sido a executora do contrato, com o fornecimento de maquinário para a MS Brasil Comércio e Serviços.
De acordo com a investigação, entre 2018 e 2020, o Gecoc descobriu que houve repasses financeiros entre as duas empresas. “Houve movimentação financeira (créditos) para a empresa AL dos Santos, oriundos da empresa MS Brasil, no período de 4/8/2018 a 30/7/2019 (R$ 1.994.868,70) e de 1/8/2019 a 20/06/2020
(R$ 2.619.699,26), podendo indicar que André Luiz possa atuar como fornecedor de veículos e maquinários e/ou possua participação oculta na execução dos objetos conquistados pela empresa MS Brasil”.
TRÊS LAGOAS
Em 2017, sete meses após vencer a licitação de Campo Grande, a MS Brasil Comércio e Serviços também saiu campeã de certame realizado em Três Lagoas, desta vez para contrato de empresa com o objetivo de “locação de máquinas pesadas, caminhões, ônibus e veículos leves”. O contrato foi fechado no valor de
R$ 8.713.200.
“Em síntese, verifica-se que no período de 10/7/2017 a 5/2/2018 (sete meses), mesmo não aparentando possuir estrutura, e em total desconformidade com a sua atuação histórica, a empresa MS Brasil conquistou contratos com a Prefeitura de Campo Grande e a de Três Lagoas, que totalizam/totalizaram o valor global de R$ 102.971.200,90”, finaliza o MPMS sobre a investigada.
Edcarlos tem outra empresa no esquema
Edcarlos Jesus da Siva, proprietário da MS Brasil Comércio e Serviços, aparece como sócio-proprietário da empresa Engenex Construções e, segundo as investigações do Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS), também seria sócio oculto da empresa JR Comércio e Serviços, que tem como proprietário, oficialmente, Adir Paulino Fernandes, que é sogro de Edcarlos e que seria queijeiro. As três empresas são investigadas pelo MPMS por suspeita de fraude em licitações da prefeitura da Capital, em esquema que também inclui manutenção de vias sem asfalto.
Infografico – Deposithphotos – Edição Denis Felipe
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