Recentemente pedi algo para comer em um aplicativo de fast food. Questionei que estava demorando, já que estava faminta e um colega me contestou: ele [motoentregador] não tem helicóptero. Rimos e acabou como um diálogo trivial. Pouco depois veio a indagação da banalização da profissão que é avaliada pelo tempo de serviço. Na correria do dia a dia, acidentes de trânsito fizeram dos motociclistas 96% das vítimas fatais em Campo Grande neste ano.
Os números do GAAT (Grupo de Análise de Sinistros de Trânsito), da Agetran (Agência Municipal de Trânsito), apontam que enquanto dois condutores morreram no trânsito da área urbana, de janeiro a novembro, foram 48 motociclistas. Os dados de dezembro ainda não foram contabilizados.
Ao todo, 72 pessoas perderam a vida no trânsito da Capital, sendo cinco ciclistas, 12 pedestres, quatro passageiros de veículos e um onde a condição da vítima não foi identificada. Destes, 41 receberam atendimento no local e 31 foram levados para a Santa Casa.
‘Aparece para nós um cronômetro’
Julio Cesar Melo, de 35 anos, está há quatro anos na profissão. Para receber uma remuneração média que dê para pagar contas, está cadastrado em todas as plataformas de entrega na cidade. Ele já sofreu acidentes de trânsito, mas nada grave que retirasse da área.
“Todo mundo nos julga como loucos no trânsito, correndo para realizar a entrega, mas não sabe o real motivo. Para quem trabalha na plataforma, geralmente somos avaliados com uma pontuação, quanto mais negativo, menos pedidos você recebe, se demora entregar você é negativado. Nós ganhamos por entrega, não temos salário fixo, se ficar demorando, iremos demorar para ir embora para casa descansar”.
Os aplicativos disponibilizam um painel para que o trabalhador acompanhe as avaliações, tempo que leva de entrega e a média de trabalhos feitos. Em alguns aplicativos, o entregador pode ser penalizado na queda de entrega se não estabelecer um padrão de tempo de entrega e boas avaliações.
“Após retirar o pedido no restaurante, aparece para nós um cronômetro de tempo previsto de entrega, aí precisamos chegar no tempo médio para manter avaliação positiva”.
Atividade de risco
Luiz Carlos Escobar, presidente do Sinpronomes (Sindicato dos Trabalhadores de Motocicletas sobre Duas ou Três Rodas de Mato Grosso do Sul), reforça que trabalhadores em situação informal, os autônomos, vivem uma rotina maçante, já que não possuem vínculo empregatício formal com as plataformas. Em casos de acidentes, esses trabalhadores não são assegurados pelas empresas.
“Penso que os trabalhadores devem buscar o jurídico e fazer um contrato de prestação de serviços. Empresas de aplicativo ‘deitam e rolam’ em cima deles, mas acham que trabalhar formal é prejuízo. O sindicato está aberto para buscar uma solução com as empresas, Ministério do Trabalho, para discutir junto com eles”.
Escobar prossegue afirmando que a categoria poderia se unir e buscar melhores condições de trabalho, sem deixar de prestar serviço autônomo ou de microempreendedor. “Penso que é um trabalho escravo, muitos deles estão sendo sequelados. A empresa exige rapidez, quanto mais faz mais ganha, não pensa na saúde. A atividade é uma atividade de risco”.
Vulneráveis no trânsito
Gerente de Educação para o Trânsito da Agetran, Ivanise Rotta, pontua que os motociclistas são os envolvidos mais vulneráveis no trânsito por ter a mesma fragilidade de pedestres e ciclistas, mas com a velocidade associada ao veículo.
“Se o motociclista vai ao encontro de um muro ou obstáculo, provavelmente vai se ferir ou vir a óbito. A questão é coletiva, não tem como apenas o motociclista fazer sua parte se todos que estão envolvidos no trânsito não fizer. Precisamos ter um comportamento adequado no trânsito, tanto os motociclistas, como quem passa por eles. Os carros têm vários pontos cegos, não podemos achar que é uma competição, não criar uma guerra velada”.
Retirado de https://midiamax.uol.com.br